domingo, 22 de novembro de 2009

DIA NACIONAL DA CONSCIÊNCIA NEGRA - I

Olá amigos! No Dia Nacional da Consciência Negra, saí da minha casa e fui procurar a natureza bem distante, lugar calmo e tranquilo para refletir sobre os preconceitos e desigualdades sócio-raciais e étnicas construídas ao longo da história brasileira.
Lembrei-me que em 2005 participei da 1ª Conferência Estadual e Municipal de Políticas de Promoção da Igualdade Racial - CONAPIR. A Municipal foi em fevereiro e a Estadual em abril do mesmo ano. Não participei da Conferência Nacional (em Brasília) que se realizou entre maio/junho de 2005.
Tenho o costume de guardar apontamentos e material didático de todas as Conferências, Congressos, Fóruns, dentre outros. Acredito ser importante passar para os colegas acadêmicos e interessados um pouco do que aprendi.
Nesta época a Secretária Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial era Matilde Ribeiro e também fazia parte da Comissão Organizadora dos Eventos, que envolveu organizações governamentsie, não governamentais e segmentos étnicos raciais e sociais representados pela população negra, indígena, árabes, ciganos, judeus, umbandistas e demais grupos socialmene discriminados na sociedade manauara e brasileira, com o objetivo de apontar diretrizes que viessem a permitir, no campo das políticas públicas e contribuir com a construção de um Plano Nacional da Promoção da Igualdade Racial.
REFLEXÃO SOBRE A REALIDADE BRASILEIRA
Discriminação Racial Pós - Escravidão
1- O fim do sistema escravista no Brasil impôs a alteração do regime jurídico dos antigos escravizados, abrindo caminho para a construção do reconhecimento da sua igualdade formal diante dos demais cidadãos brsileiros. Entretanto, a abolição da escravatura no Brasil foi um verdadeiro golpe às aspirações da população afrodescendente, pois foi instituída por meio de uma medida cujo conteúdo, resumido a dois parágrafos, simplesmente decretava extinta a escravidão, revogando as disposições em contrário. A abolição não trouxe consigo a perspectiva de libertação com plena inserção dos descendentes de escravos na sociedade como um todo, isto é, no mercado de trabalho, no sistema educacional, no acesso à moradia digna e à posse da terra.
2- Com base na ideologia do branqueamento, a elite escravocrata traçou estratégias para diminuir o peso da presença negra na população brasileira no século 19. Atendendo a demandas das elites cafeicultoras, o Estado, entre 1884 e 1913, estimulou o ingresso de 2,7 milhões de europeus no Brasil. Ou seja, em 29 anos, a quantidade de europeus que entraram no país representou cerca de 70% do total de africanos que haviam ingressado como escravos entre os séculos 16 e 19.
3- O projeto de branqueamento previa, progressivamente, a assimilação e dizimação da população negra, assim como da população indígena. Tais grupos sociais, associados ao passado escravista, deveriam ser eliminados durante a modernização brasileira, para que a nação se tornasse ocidental e branca. Somente assim, segundo a visão escravocrata, o país estaria habilitado ao desenvolvimento econômico e ao progresso. No entanto, esse projeto não se concretizou. Com uma população negra estimada em 80 milhões, o Brasil até o ano de 2005 era considerado a segunda maior nação negra do mundo fora do Continente Africano, sendo a primeira a Nigéria com cerca de 136 milhões de habitantes. A presença dessas populações ainda demonstra a resistência material, física e espiritual dos descendentes escravos e escravas.
4- No início do século 20, as organizações do movimento negro viram-se isoladas em relação às demais frentes co-irmãs de luta, tal como os movimentos operários e camponeses, não obstante o fato de diversas vezes as bases dessas categorias serem formadas por uma grande quantidade de afrodescendentes. No decorrer do século, as frentes de luta se aproximaram. O processo de modernização do país, especialmente no período posterior aos anos de 1930, foi marcado pelo mito da democracia racial, que reduziu drasticamente a visibilidade das reivindicações da população afrodescendente. Ocorreu uma espécie de naturalização dos problemas coletivos dos negros neste período, que passaram a ser encarados pela opinião pública como resultantes das desigualdades sociais ou então como casos a serem solucionados pela polícia.
5- Embora invisibilizadas, as organizações do movimento negro tiveram um papel muito relevante nos debates sociais e políticos. Enfrentando toda sorte de incompreensões, desde os períodos próximos à abolição da escravidão, fundaram importantes organizações de combate ao racismo, como a "Frente Negra Brasileira", a "União dos Homens de Cor", o "Teatro Experimental do Negro" e as formas de luta e resistência das centenas de comunidades quilombolas e de comunidades religiosas de matriz africana espalhadas por todo território nacional. A atuação do movimento negro nos anos 1970 foi fundamental para a definitiva destruição moral do mito da democracia racial. As organizações foram reconstruídas, ainda na ditadura militar, sob a influência dos movimentos pelos direitos civis nos EUA e dqas lutas de libertação nacional dos peíses no Continente Africano.
6- Na atualidade, o combate ao racismo e à discriminação está na agenda de centenas de organizações do movimento social negro, tais como a Conen (Coordenação de Entidades Negras); o MNU (Movimento Negro Unificado); a Coordenação Nacional de Remanescentes de Quilombos, dentre outros, e em diversos campos de atuação, como, por exemplo, juventude negra, religiões de matriz africana, mulheres negras, artístico-cultural, político-partidário, sindical, dentre outros e de setores expressivos do movimento social brasileiro. Reunidos em grupos, entidades e organizações não governamentais, os integrantes do Movimento Negro estruturam Fóruns locais, regionais e nacionais que visam, em última instância, a efetiva organização da população negra.
7- É importante ressaltar o protagonismo das mulheres negras no processo organizativo desde o período da escravidão. Nas últimas décadas, são elas que trazem para a cena política um universo de questões ressaltando a discriminação de gênero e raça e os efeitos perversos para as mulheres negras, o que as mantém em situação socialmente mais vulnerável do que os homens. Assim, formaram-se também várias estruturas organizativas, como: a Articulação de Organizações de Mulheres Negras, o Fórum Nacional de Mulheres Negras, entre outras.
8- Um dos principais fundamentos da moderna identidade do povo brasileiro foi o mito da democracia racial. Segundo ele, a formação da sociedade brasileira sofreu a influência genética e cultural de três povos: portugueses, indígenas e negros, resultando numa sociedade mestiça. Tal origem explica a tolerância ao convívio aparentemente pacífico entre os brasileiros, desconsiderando-se os conflitos inerentes às relações inter-raciais marcadas pela supremacia da população branca.
9- O mito da democracia racial serviu ainda como um meio de naturalização de tradicionais paéis raciais ocupados pelos distintos grupos de raça/cor em nossa sociedade. Configurando um modelo de relações sociais pronunciadamente desiguais, em cuja pirâmide social os negros, negras, índios e índias permanecem ocupando as piores posições.
10- Classificar a democracia racial como mito, implica dizer que a visão ideológica de uma escravidão benigna e de uma sociedade harmoniosa do ponto de vista do contato inter-racial não corresponde à realidade social e histórica. No passado, ao contrário de um modelo de escravidão suave, tivemos um sistema escravista extremamente perverso, violento e rude.
11- A partir de 1980, com o aumento da concentração de renda ocorrido no período do milagre econômico e a persistência de múltiplas formas de preconceito e discriminação racial, foram produzidas novas e importantes inflexões no debate brasileiro sobre as relações entre brancos e negros. A isso se soma a crise do modelo desenvolvimentista a redemocratização do país, aliada à precariedade das condições de vida de amplos setores da população, que impulsionaram ainda mais para o fortalecimento das organizações do movimento negro, bem como a ampliação de seu arco de aliados no interior dos partidos políticos, na mídia e no conjunto da sociedade civil brasileira.
12- Assim, o Movimento Negro e o Movimento de Mulheres Negras, desde o 1º Encontro de Mulheres Negras realizado em 1988, em Valença (RJ), têm desempenhado uma ação fundamental na denúncia do mito da democracia racial e na elaboração de propostas de políticas públicas que contribuam para a alteração do quadro de exclusão, desigualdade e opressão, não apenas racial, mas também de gênero. O potencial de luta e de mobilização social dessas organizações tem importância histórica imensurável.
13- Em 1995, temos como marco a "Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida", realizada no ato de tricentenário da morte de Zumbi dos Palmares, onde cerca de 30 mil manifestantes estiveram presentes em Brasília, para a entrega ao Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, do Programa para Superação do Racismo. As recomendações contidas no documento evidenciam que para a superação das desigualdades raciais, étnicas, de gênero, a busca pela eliminação de todas as formas de preconceito, discrimação e segregação racial; bem como a construção de uma sociedade mais justa e equilibrada no plano racial, necessita-se de uma ação global pela qual toda a sociedade é responsável. Inequivocamente, trata-se de uma tarefa que exigirá um papel extremamente importante, a ser desempenhado pela própria população afetada (negros, mulheres, indígenas, ciganos e demais etnias discriminadas). Ressalta-se, ainda, a importância do empenho dos governos democráticos.
14- O novo projeto de Nação, já construído no Brasil contemporâneo, implica em resgatar de forma crítica nossas mais significativas tradições organizativas em nome da realização de uma ação democrática. Tal projeto não deve se esgotar na fórmula assimilacionista ou enganosa como se deu no passado. Existem outras possibilidades, que valorizem a diversidade e o respeito às diferenças; a igualdade e o combate à exclusão social; que não revalidam moralmente tradicionais papéis sociais tampouco, almejam uma questionável e desnecessária uniformização estética, cultural e política de nosso povo. Uma das principais missões da sociedade brasileira nos dias atuais, especialmente do movimento negro, consiste na preservação do patrimônio cultural afrodescendente, totalmento esento de qualquer influência do mito da democracia racial, contribuindo assim para a construção de um modelo de sociedade justa e sem desigualdades raciais.
FONTE: apontamentos e material didático.

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