Matéria para leitura que recebi no 1º CONAPIR (em 2005): AS DESIGUALDADES RACIAIS NO BRASIL
Este material torna-se interessante e imprescindível em qualquer época para acadêmicos e demais interessados.
1- Uma das maiores injustiças cometidas contra as populações negras, indígenas e ciganas no Brasil diz respeito à sistemática lacuna no que se refere às informações demográficas sobre as desigualdades raciais em nosso país. Dos 11 recenseamentos gerais da população realizados entre 1872 e 2000 no Brasil, em três (1900,1920 e 1970) a variável raça/cor, pelos mais variados motivos, não foi sequer incluída no campo do questionário de pesquisa. Nos três últimos recenseamentos demográficos, realizados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 1980,1991 e 2000, a variável raça/cor foi excluída do universo da pesquisa, somente tendo sido incluída no questionário por amostra (respondido por cerca de 10% da população). A PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), também realizada pelo IBGE, somente incluiu cor/raça no interior do corpo básico do questionário no ano de 1987, 20 anos após o começo do levantamento. Outra lacuna, atingindo idretamente os ciganos, diz respeito ao nosso censo que classifica as pessoas segundo cor/raça e etnia e povos indígenas. Ressalta-se, ainda, que não há controle sobre a soma dos grupos raciais por que não há precisão na coleta de dados, oq que cria dificuldades para a identificação dos diversos setores da população. Segundo o Censo Demográfico de 2000 o Brasil é formado por 169.799.170 pessoas. Desses, 83.576.015 são homens e 86.223.155 são mulheres. A composição racial brasileira tem a seguinte configuração: 53,4% são brancos; 38,6% pardos; 6,1% pretos; 0,5% amarelos e 0,4% indígenas. Assim, a soma dos cidadãos que se declararam negros (os pretos e pardos) representa 44,7% da população de nosso país, cerca de 80 milhões de brasileiros. (lembre-se que estes dados foram dados no ano de 2005. Hoje há diferença).
2- A população indígena era constituída por mais de 1000 povos chegando a somar em torno de 4 (quatro) milhões de pessoas. Hoje é composta por cerca de 220 povos que falam mais de 180 línguas diferentes.
3- A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988 configura-se como uma das mais avançadas do mundo e é um grande espelho de normatização das relações sócio raciais, demonstrando como um dos objetivos fundamentais "promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, cor, sexo, idade e quaisquer outras formas de discriminação".
Ainda o artigo 4º, VIII, versando sobre as relações internacionais, repudia o terrorismo e o racismo; o artigo 5º, XLI, afirma que "a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades individuais"; o artigo 5º, XLII, assegura que "a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão nos termos da lei"; o artigo 7º, XXX, estabelece a "proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil"; e, por fim, o artigo nº 227 afirma ser dever da família, do Estado e da sociedade assegurar à criança e ao adolescente a proteção de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
4- A Constituição também estabelece, no artigo 68 do Ato das Disposições Transitórias, define aos Remanescentes das Comunidades de Quilombos o direito a propriedade de suas terras, sendo considerado mais um importante instrumento jurídico para fundamentar a construção de uma política fundiária baseada no princípio de respeito aos direitos territoriais dos grupos étnicos e minoritários.
5- No que diz respeito aos povos indígenas, esta mesma Constituição, provocou uma ruptura no processo de ocultação e invisibilidade das populações indígenas, o que traz mudanças jurídico-formais. Ao conceber que essas pessoas e suas sociedades configuram diferentes étnico-culturais, parte-se do reconhecimento indissociável dos índios e de suas organizações sociais, seus usos, costumes, tradições, direito ao território, à educação especial e capacidade postulatória. No parágrafo 1º do artigo 231 da Constituição Brasileira, é dito que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios passam a ser definidas como sendo aquelas "por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis a preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições". Esses territórios, segundo o inciso XI do artigo 20 da Constituição Federal, "são bens da União" e que, pelo parágrafo 4º do artigo 231, são "inalienáveis e indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis".
6- Em momentos posteriores a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989 (a Lei Caó), passou a definir os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, regulamentando o artigo 5º, XLI, da Constituição de 1988. A Lei nº 9.459, de 13 de maio de 1997, entre outros tópicos, trata do crime de racismo por injúria.
7- Como já foi dito anteriormente, nosso arsenal legal é bastante amplo e avançado, ocupando-se da igualdade nos direitos individuais e políticos (de que seria exemplo a liberdade religiosa), dos direitos sociais, direitos educacionais, direitos culturais, entre outros, porém, as estatísticas indicam que tais direitos estão longe de serem cumpridos.
8- É recente a realização, por parte dos órgãos públicos, de análises sobre os indicadores das desigualdades raciais, que revelaram o tamanho do abismo separando as condições de vida dos grupos racicis e étnicos do Brasil. Neste sentido, podemos citar alguns exemplos:
NA ÁREA EDUCACIONAL - A expansão da rede de ensino fundamental apresentou efeitos proporcionalmente mais favoráveis aos negros que aos brancos. Assim, entre 1991 e 2000, a taxa bruta de frequência dos brancos ao ensino fundamental, passou de 105,3% para 120,6%. Já entre os negros os índices passaram de 95% para 128%. Esse conjunto de indicadores expressa um sistema educacional discriminatório produzindo uma realidade singular para os alunos e alunas negros:
a) a entrada precoce no mercado de trabalho; b) a baixa qualidade do ensino público, onde se concentra a maioria dos estudantes afrodescendentes; c) a imposição de um conteúdo programático que não valoriza o universo dos afrodescendentes e, portanto, não estimula a elevação de sua auto-estima; d) a presença do racismo e do preconceito em sala de aula e no ambiente escolar, que reduz o estímulo à continuidade dos estudos.
No que diz respeito às populações indígenas, além da necessidade de recursos compatíveis necessários à efetiva escolarização destes grupos, é muito importante a preservação do bilinguismo nas escolas onde estudam as crianças vinculadas a essas etnias.
NA ÁREA DE TRABALHO - Considerando que as taxas de desemprego, de informalidade e de precarização são mais elevadas para os negros, e que a renda média mensal percebida por esse grupo racial é substancialmente menor, é de se esperar que o percentual de negros que contribui para a previdência oficial também seja menor. De fato, em 2001, de acordo com dados da PNAD/IBGE o percentual de negros ocupados, com 16 anos ou mais, que contribuia para a previdência era de 39%. Esse percentual, no entanto, saltava para 54% entre os brancos.
Depois vem os dados de pobreza e com estes exemplos pode-se refletir a profunda desigualdade social brasileira, tendo como foco as questões raciais e étnicas. No entanto, o debate e a ação sobre as desigualdades sociais e políticas, bem como sobre a intensidade da pobreza e da miséria, não tem sido levados em consideração ao longo da história de nosso país. Isso dificulta uma análise mais profunda sobre as causas dessas desigualdades, e contribui para perpetuar as extremas injustiças sociais, étnicas e raciais; para reduzir a eficácia das políticas públicas na área social; e para manter a falta de compromisso da opinião pública com medidas de superação das severas privações sociais vivenciadas por amplos setores da população.
Sem esquecer que as discriminações afetam outros grupos étnicos e de diferentes nacionalidades e que também carregam estigmas associados a sua origem, hábitos e religiões. É o caso dos judeus, palestinos e dos ciganos, ainda hoje vitimados por múltiplas formas de preconceito derivados de antigas superstições, lendas e incompreensões acerca da sua dinâmica social. No entanto, estas discriminações não se apresentam da mesma maneira para todos os grupos, portanto, devem-se analisar caso a caso.
Dessa forma, é possível afirmar que essa realidade histórica não contribui para o fortalecimento do sistema democrático, pois cremos que não há democracia com a existência de racismo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário